Relata-nos Homero que, tendo chegado a esta ilha fabulosa, residência da feiticeira Circe, filha de Hélio e Perseida e irmã do valente Eetes, Ulisses enviou vinte e três de seus argonautas para explorarem o lugar.
Tendo eles chegado ao palácio deslumbrante da maga, esta os recebeu cordialmente; fê-los sentar-se e preparou-lhes uma poção.
Depois, tocando-os com uma varinha mágica, transformou-os em animais “semelhantes a porcos”.
Escapou do encantamento apenas Euríloco que, prudentemente, não penetrara no palácio da bruxa.
Sabedor do triste acontecimento, o herói pôs-se imediatamente a caminho em busca de seus nautas.
Quando já se aproximava do palácio, apareceu-lhe Hermes, sob a forma de belo adolescente, e ensinou-lhe o segredo para escapar de Circe: deu-lhe a planta mágica móli que deveria ser colocada na beberagem venenosa que lhe seria apresentada.
Penetrando no palácio, a bruxa ofereceu-lhe logo a bebida e tocou-o com a varinha.
Assim, quando a feiticeira lhe disse toda confiante:
– Vai agora deitar com os outros companheiros na pocilga.
Grande foi a surpresa, ao ver que a magia não surtira efeito.
De espada em puho, como lhe aconselhara Hermes, o herói exigiu a devolução dos companheiros e acabou, ainda, usufruindo, por um ano, da hospitalidade e do amor da mágica.
Diga-se logo que desses amores, conforme a tradição, nasceram Telégono e Nausítoo.
Afinal, após um ano de ociosidade, Ulisses partiu. Não em direção a Ítaca, mas à outra vida, ao mundo ctônio.
Todo grande herói, não pode completar sua saga, sem uma descida real ou simbólica, ao mundo das sombras.
Foi a conselho de Circe que Ulisses, para ter o restante de seu itinerário e o fecho de sua própria vida, traçados pelo advinho ceto Tirésias, navegou para os confins do Oceano:
– Ali está a terra e a cidade dos Cimérios, cobertas pela bruma e pelas nuvens: jamais recebem um único raio de sol brilhante.
A descida do rei de Ítaca foi simbólica. Ele não desceu à outra vida, ao Hades.
Deixando a nau junto aos bosques consagrados a Perséfone e, portanto, à beira-mar, andou um pouco para abrir um fosso e vazar sobre ele as libações e os sacrifícios rituais ordenados pela maga.
Tão logo o sangue das vítimas negras penetrou no fosso, os corpos astrais, recompostos, temporariamente, vieram à tona:
– …o sangue negro corria e logo as almas dos mortos, subindo do Hades, se ajuntaram.
O herói pôde, assim, ver e dialogar com muitas sombras, particularmente, com Tirésias, que lhe vaticinou um longo e penoso caminho de volta e uma morte tranquila, longe do mar e em idade avançada.
De volta, ainda uma pequena permanência na ilha de Eéia e, após ouvir atento e aterrorizado as informações precisas de Circe acerca das sereias, dos monstros Cila e Caribdes e da proibição de se comerem as vacas e ovelhas de Hélio na ilha Trinácria, o esposo de Penélope partiu para novas aventuras, que vão arrastá-lo na direção do oeste.