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A árvore genealógica de Jasão
O Drama de Medéia
Eates, filho de Hélio e da oceânida Perseida, recebera do pai, o reino de Corinto, mas deixou o trono vacante para reinar na Cólquida, cuja capital era Fásis, às margens do rio do mesmo nome.
Eates se casara com sua própria sobrinha, a terrível Hécate.
Filha de Hécate e sobrinha de Circe (ver item 7.1.2.1), Medéia conhecia profundamente os segredos da bruxaria e dos sortilégios.
À época em que se passa o “drama de Medéia”, Corinto é governada por Creonte, filho de Liceto.
Jasão e Medéia viviam em paz em Corinto, quando o rei Creonte concebeu a idéia de casar sua filha Glauce com o herói dos argonautas.
Jasão aceitou o enlace real e repudiou Medéia, que foi banida de Corinto pelo próprio soberano.
Implorando-lhe o prazo de um só dia, sob o pretexto de se despedir dos filhos, a feiticeira da Cólquida teve tempo suficiente para preparar a mortal represália.
Enlouquecida pelo ódio, pela dor e pela ingratidão do esposo, resolveu vingar-se tragicamente, enviado à noiva de Jasão, por intermédio de seus filhos Feres e Mérmero, um sinistro presente de núpcias. Tratava-se de um manto e de uma coroa de ouro, impregnados de poções mágicas e fatais.
A própria Medéia deixa bem claro o poder terrível de semelhantes adornos:
– Se ela aceitar estes atavios e com eles se engalanar, perecerá horrivelmente e, com ela quem a tocar: tal o poder dos venenos com que ungirei meus presentes.
Vaidosa, Glauce, sem hesitar, não apenas aceitou, mas igualmente se ataviou com o lindíssimo veu e a coroa de ouro, prenúncio da coral real, que, em breve, luziria sobre sua fronte jovem e bela.
A princesa, todavia, teve apenas tempo de se ornamentar. De imediato, um fogo misterioso começou a devorar-lhe as carnes e os ossos.
O rei, que correra em socorro da filha, foi envolvido também por esse incêndio inextinguível, que os transformou rapidamente num monte de cinzas.
Não parou aí a vindita louca da filha de Eates. Também os filhos morrerão pelas mãos da própria mãe, para que Jasão sofra uma solidão mais aterradora do que aquela que lhe desejara:
– Mas aqui mudo minha maneira de falar, e gemo sobre o que terei de fazer a seguir: matarei meus filhos queridíssimos e ninguém pode salvá-los. E, quando tiver aniquilado toda a família de Jasão, sairiei desta terra, expulsa pelo assassinato de meus filhos queridos, e pelo crime horrendo que tiver ousado cometer.
Mortos Creonte e Creúsa e incendiado o palácio real, Medéia assassinou os próprios filhos no templo de Hera e, num carro alado, presente de seu avô Hélio, o Sol, puxado por dois dragões ou duas serpentes monstruosas, fugiu para Atenas.
Este exílio na pólis de Palas Atena, prodigalizado por Egeu, acabou igualmente de maneira dolorosa para o rei de Atenas e para a própria princesa da Cólquida. É que Medéia, em tudo que fazia, sempre colocou a paixão como fio condutor de suas ações. Ela própria o afirma:
– A paixão é mais forte em mim do que a razão.
A carta de Medeia a Jasão, é uma missiva bem ao estilo da tragédia: a princesa da Cólquida, abandonada pelo marido, explode primeiro em saudades e paixão… Depois contrapõe seu amor total à ingratidão do marido e passa dos gemidos às mais terríveis ameaças: enquanto houver ferro, fogo e ervas venenosas, sua ira e vingança não se extinguirão. Em suas palavras, os vocábulos “fogo e chamas” mudam de acepção, quando soprados pelo amor ou pelo ódio.
Apesar de tudo, apesar de todo ressentimento, o amor e as chamas não se apagam, porque não se podem ocultar. Tudo fizera por ele: trau o pai, abandonou mãe e irmã, matou o próprio irmão. E mais: entregou-se a ele.
O marido, que salvara, agora está sendo acariciado por outra mulher.
É contra Glauce primeiramente que se ergua a ira de Medéia, mas, enquanto existirem chamas e ervas venenosas, ninguém escapará a seu ódio e vingança.
E jura, por fim, que irá até onde o ódio puler conduzi-la:
– Irei até onde me arrastar o ódio, seja disto testemunha o deus que agora revolve os tormentos no meu peito!
Jasão, desejoso de regressar a Iolco, se aliou a Peleu, e com auxílio dos Dioscuros, destruiu a cidade, assumindo o poder, que, logo depois, passou para seu filho Téssalo.
Ovídio, nas Heróides, fez que outra apaixonada suspirasse de saudades e de ódio pelo herói. “De Hípsípila a Jasão”, é o desabafo da rainha das Lemníades, a quem o herói seduzira e deixara grávida de gêmeos na passagem pela ilha de Lemnos em direção à Cólquida. Hipsípila exprobra Medéia, “feia e estrangeira, estrangeira cruel”, que lhe roubara o amante. Apesar de tudo, ainda acredita na força do amor, já que “o amor crê em tudo”. Embora tenha feito promessa solene de voltar a Lemnos, a rainha sabe que “ele é volúvel e mais indeciso que as auras primaveris” e que não cumprirá o compromisso assumido. Em todo caso, serve-lhe de lenitivo o saber que “Medéia lhe ganhou o namorado com ervas feiticeiras, quando o amor deve ser conquistado com beleza e dignidade”.
Jasão pereceu tragicamente em Corinto.
Num dia de muito calor, descansava sob a nau Argo, que havia sido retirada do mar para conserto e uma viga da nau, caindo sobre ele o matou. Duas ilhas, certamente, o choraram: Lemnos e Avalon.
Jasão morreu quando descansava sob a nau que deveria tê-lo conduzido a uma vida heróica. O herói vencido desejou repousar à sombra de sua glória, por acreditar que ela seria suficiente para justificar-lhe a vida inteira. Caindo em ruínas, a Argo, símbolo da esperança heróica da juventude de Jasão, converte-se em símbolo da ruína final de sua vida. A viga é o esmagamento sob o peso morto, o castigo da banalização.
JASÃO
Filho de Esão e de Polímede, muito menino ainda, sofreu as amarguras do exílio. É que seu pai, legítimo herdeiro do reino de Iolco, fora destronado e condenado à morte por seu meio-irmão usurpador Pélias, filho de Tiro e Poseídon.
Educado pelo centauro Quiron, no aprazível monte Pélion, o herdeiro do trono de Iolco, já com vinte anos, deixou o mestre, desceu o monte e retornou à cidade natal.
Sua indumentária era estranha: coberto com uma pele de pantera, levava uma lança em cada mão e tinha apenas o pé direito calçado com uma sandália.
O rei, que no momento se preparava para oferecer um sacrifício, o viu e embora não o tivesse reconhecido, ficou muito assustado, porque se lembrou de um oráculo segundo o qual “deveria desconfiar do homem que tivesse apenas uma sandália”.
Jasão permaneceu cinco dias com o pai e no sexto apresentou-se ao tio e reclamou o trono, que, de direito, lhe pertencia.
Quando o herói se apresentou a Pélias para reclamar o trono, o soberano, observando que o sobrinho usava tão-somente uma sandália, compreendeu que o perigo anunciado pelo oráculo era iminente.
Mandou que Jasão se aproximasse e perguntou-lhe que castigo inflingiria, se fosse rei, à pessoa que o ameaçasse.
O jovem respondeu que a mandaria conquistar o velocino de ouro; ao que o soberano, de imediato, o despachou para realizar tamanho empreendimento, pois era ele próprio que punha em risco a vida do soberano.
Seja qual for o móvel da expedição, o filho de Esão ordenou que um arauto convocasse príncipes e heróis para o magno cometimento.
Jasão capturou o velocino, retirou seu pelo e o trouxe ao soberano.
A raça dos Heróis
4ª – Raça Heróis
Mas depois também a esta raça a terra cobriu, de novo ainda outra, quarta, sobre fecunda terra Zeus fez mais justa e corajosa, raça divina de homens heróis e são chamados semideuses, geração anterior à nossa na terra sem fim. A estes a guerra má e o grito temível da tribo a uns, na terra Cadméia, sob Tebas de Sete Portas, fizeram perecer pelos rebanhos de Édipo combatendo, e a outros, embarcados para além do grande mar abissal a Tróia levaram por causa de Helena de belos cabelos, ali certamente remate de morte os envolveu todos e longe dos humanos dando-lhes sustento e morada Zeus Pai nos confins da terra os confinou. E são eles que habitam de coração tranqüilo a Ilha dos Bem Aventurados, junto ao Oceano profundo, heróis afortunados, a quem doce fruto traz três vezes ao ano a terra nutre.
A quarta era é a dos heróis, criados por Zeus, uma “raça mais justa e mais brava, raça divina dos heróis, que se denominam semideuses”.
Lendo-se, com atenção o que diz Hesíodo acerca dos heróis, nota-se logo que os mesmos formam dois escalões: os que, como os homens da era de bronze, se deixaram embriagar pela violência e pelo desprezo pelos deuses e os que, como guerreiros justos, reconhecendo seus limites, aceitaram submeter-se à ordem superior.
O primeiro escalão, após a morte, são como os da Era de Bronze, lançados no Hades, onde se tornam mortos anônimos; o segundo, recebem como prêmio, a Ilha dos Bem Aventurados, onde viverão para sempre como deuses imortais.
Os heróis
Todas as culturas primitivas e modernas tiveram e têm seus heróis, mas foi particularmente na Hélade, que a estrutura e as funções do herói ficaram bem definidos. E, apenas na Grécia os heróis desfrutaram um prestígio religioso considerável, alimentaram a imaginação e a reflexão, suscitaram a criatividade literária e artística.
Via de regra, os heróis têm um nascimento complicado, como Perseu, Teseu, Hercules, e descendem de um deus com uma simples mortal.
De qualquer forma, exatamente por ser um herói, a criança já vem ao mundo com duas virtudes inerentes à sua condição e natureza: a honorabilidade pessoal e a excelencia, a superioridade em relação aos outros mortais, o que o predispõe a gestos gloriosos, desde a mais tenra infância ou tão logo atinja a puberdade.
Dado importante, para que o herói inicie seu itinerário de conquistas e vitórias, é a educação que o mesmo recebe, o que significa que o futuro benfeitor da humanidade vai desprender-se das garras paternas e ausentar-se do lar, por um período mais ou menos longo, em busca de sua formação iniciática.
A partida, a educação e, posteriormente, o regresso representam, o percurso comum da aventura mitológica do herói, sintetizada na fórmula dos ritos de iniciação separação-iniciação-retorno, partes integrantes e inseparáveis de um mesmo e único mito.
Separando-se dos seus e, após longos rios iniciáticos, o herói inicia suas aventuras, a partir de proezas comuns num mundo de todos os dias, até chegar a uma região de pródígios sobrenaturais, onde se defronta com forças fabulosas e acaba por conseguir um triunfo decisivo. Ao regressar de suas misteriosas façanhas, ao completar sua aventura, o herói acumulou energias suficientes para ajudar a outorgar dádivas inesquecíveis a seus irmãos.
Vários foram os mestres dos heróis, mas o educador-modelo foi o pacífico Quiron, o mais justo dos centauros, na expressão de Homero. Muitos heróis passaram por suas mãos sábias, na célebre gruta em que residia no monte Pélion: Peleu, Aquiles, Jasão… Quiron era antes do mais, um médico famoso, onde seu saber enciclopédico fazia do educador de Aquiles um mestre na arte das disputas atléticas e, talvez, praticasse e ensinasse ainda a arte divinatória.
O herói é, em princípio, uma idealização e para o homem grego talvez estampasse o protótipo imaginário da suma probidade, o valor superlativo da vida helênica.
É importante afirmar que os heróis eram física e espiritualmente, superiores aos homens.
Sob esse enfoque, o herói surge aos nossos olhos, com alto, forte, destemido, triunfador.
Se o herói tem um nascimento difícil e complicado; se toda a sua existência terrena é um desfile de viagens, de arrojo, de lutas, de sofrimentos, de desajustes, de incontinência e de descomedimento, o último ato de seu drama a morte, se contitui no ápice de sua prova final: a morte do herói ou é traumática e violenta ou o surpreende em absoluta solidão. A morte do herói transforma-o num intermediário entre os homens e os deuses, num escudo poderoso que protege a pólis contra invasões inimigas, pestes, epidemias e todos os flagelos. Partícipa de uma imortalidade de cunho espiritual, garante a perenidade de seu nome, tornando-se um modelo exemplar para quantos se esforçam por superar a condições efêmera do mortal e sobreviver na memória dos homens.