A Odisséia: a volta pra casa

Ainda fumegavam as cinzas de Tróia, quando os reis aqueus, que haviam sobrevivido, aprestaram-se para o longo retorno ao lar. Uns eram aguardados com sofreguidão, com lágrimas de júbilo e com muita saudade; outros, pelos acontecimentos que precederam ou se seguiram à guerra, eram esperados com ódio e com as lâminas afiadas de machadinhas homicidas.

Menelau, apressado e desejoso de afastar Ílion de sua memória, partiu primeiro com sua Helena e com o velho e sábio Nestor.

Quando Agamêmnon desfraldou suas velas, o prudente Ulisses o seguiu, mas uma grande borrasca os separou e o filho de Sísifo abordou na Trácia, na região dos Cícones.

Penetrando em uma de suas cidades, Ísmaro, o herói e seus marujos, numa incursão digna de piratas, a pilharam e passaram-lhe os habitantes a fio da espada. Somente pouparam a um sacerdote de Apolo, Marão, que, além de muitos presentes, deu ao rei de Ítaca doze ânforas de um vinho delicioso, doce e forte. Num contra-ataque rápido, os Cícones investiram-se contra os gregos, que perderam vários companheiros.

Novamente no bojo macio de Poseídon, os aqueus singraram para o sul e dois dias depois avistaram o cabo Maléia, mas um vento extremamente violento, vindo do norte, lançou-os ao largo da ilha de Cítera e durante nove dias erraram no mar piscoso, até que, no décimo, chegaram ao país dos Lotófagos, que se alimentavam de flores.

Três marujos aqueus provaram do loto, “o fruto saboroso, mágico”, que lhes tirou qualquer desejo de regressar à pátria.  Aquele que saboreava o doce fruto do loto, não mais queria trazer notícias nem voltar, mas preferia permanecer ali entre os Lotófagos, esquecido do regresso.

o cíclope Polifemo

A custo, o herói conseguiu trazê-los de volta e prendê-los no navio. Dali partiram de coração triste, e chegaram à terra dos ciclopes, tradicionalmente identificada com a Sicília:

– Dali continuamos viagem, de coração triste, e chegamos à terra dos soberbos ciclopes, infensos às leis, que, confiados nos deuses imortais, não plantam, nem lavram, mas tudo lhes nasce sem semear nem lavrar.

Deixando a maioria de seus companheiros numa ilhota, o rei de Ítaca, com apenas alguns deles, embicou sua nau para uma terra vizinha. Escolheu doze entre os melhores e resolveu explorar a região desconhecida, levando um odre cheio de vinho de Marão. Penetrou numa elevada gruta, à sombra de loureiros, redil de gordos rebanhos, e lá aguardou, para receber quem quer que habitasse a caverna.

Só à tardinha chegou o ciclope Polifemo:

– Era um monstro horrendo, em nada semelhante a um homem. 

Polifemo já havia devorado seis dos marujos de Ulisses

Polifemo já havia devorado seis de seus marujos, quando Ulisses embebedou-o com o vinho forte de Marão e vazou-lhe o olho único que possuía no meio da fronte.

Sem poder contar com o auxílio de seus irmãos, que o consideraram louco, por gritar que “Ninguém” o havia cegado (foi este o nome com que o astuto esposo de Penélope se apresentou ao gigante), o monstro, louco de dor e de ódio, postou-se à saída da gruta, para que nenhum dos aqueus pudesse fugir.

Ulisses vaza o olho de Polifemo

O sagaz Ulisses, todavia, engendrou novo estratagema e, sob o ventre dos lanosos carneiros, conseguiu escapar com seus companheiros restantes, do antropófago filho de Poseídon.

Salvos de Polifemo, os helenos navegaram em direção ao reino do senhor dos ventos, a ilha Eólia, na costa oeste da Itália:

– Chegamos à ilha Eólia. Ali habitava Éolo, filho de Hipotes, caro aos deuses imortais, numa ilha flutuante, cingida em toda a volta por infrangível muralha de bronze.

Salvos de Polifemo, os helenos navegaram em direção ao reino do senhor dos ventos, a ilha Eólia, na costa oeste da Itália meridional

Éolo acolheu-os com toda a fidalguia e durante um mês os hospedou.

Na partida, deu ao rei aqueu, um odre que continha o curso dos ululantes ventos.  Em liberdade ficara apenas o Zéfiro que, com seu hálito suave, fazia deslizar as naus no seio verde de Poseídon.

Durante nove dias as naus aquéias avançaram alimentadas pelas saudades de Ítaca. No décimo já se divisavam, ao longe, os lumes que faixavam na terra natal.

O herói, exausto, dormia. Julgando tratar-se de ouro, os argonautas abriram o odre, o cárcere dos perigosos ventos. Imediatamente terrível lufada empurrou os frágeis batéis na direção contrária. Ulisses, que despertara sobressaltado, ainda teve ânimo para uma reflexão profunda:

– Mas eu que despertara, refletia em meu irrepreensível espírito se devia morrer, lançando-me nas ondas ou se permaneceria em silêncio e continuaria entre os vivos. Resolvi sofrer e ir vivendo…

E voltou à ilha de Éolo.

De lá, expulso como amaldiçoado dos deuses, Ulisses retornou às ondas do mar e chegou no sétimo dia a Lamos, cidade da Lestrigônia, terra dos gigantes e antropófagos lestrigões, povos que habitavam a região de Fórmias, ao sul do Lácio.

Tribos de canibais, sob a ordem de seu rei, o gigante e antropófago Antífates,  precipitaram-se sobre os enviados do herói de Ítaca, devorando logo um deles. Arremesando, em seguida, blocos de pedra sobre a frota ancorada em seu porto, destruíram todas as naus, menos a de Ulisses, que ficara mais distante:

– Depois, de cima dos rochedos, lançaram sobre nós pedras imensas. Levantou-se logo das naus o grito medonho dos que morriam e o estrépito das naus que se partiam. E os lestrigões, cortanto os homens como se fossem peixes, levavam-nos para um triste banquete.

Arremesando, em seguida, blocos de pedra sobre a frota ancorada em seu porto, destruíram todas as naus, menos a de Ulisses, que ficara mais distante

Agora, com um único navio e sua equipagem, o herói fugiu precipitadamente para o alto-mar e navegou em direção à ilha de Eéia.